sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Manuel Rui Costa

Há um momento, nos amigáveis jogos de bilhar com os amigos nas tardes idas do Porto, em que deixávamos de apontar. É inexplicável mas havia um momento em que abandonávamos toda a intenção racional de enfiar a bola no buraco e, mais do que a fé ou azar, simplesmente cedíamos à imersão daquele momento único e o taco desferia (sozinho?) um golpe seco e recto levando a bola a entrar de tal modo enquadrada com o buraco que se sentia uma sensação de brancura e limpeza de movimentos tal como no mais tocante dos Haikus. Manuel Rui Costa era assim: uma força serena e contínua de concentração e entrega total à realidade.
O seu estado de leitura do jogo era tão avançado que se poderia sugerir, com segurança, que se seguisse a partida a partir dele e dos seus movimentos, não fosse o facto de Rui Costa saber o que nós não sabíamos...As sensações ao ver um passe de 50m rasgando uma defesa para todos aparentemente intransponível, ou de um chapéu simplesmente impossível a 40 metros da baliza, de os defesas caírem apenas por tentarem acompanhar os seus movimentos elegantes e desconcertantes variavam do espanto ao completo encantamento. A honestidade com que Rui Costa encarava o jogo, o clube, os adeptos e a si mesmo era de tal modo tocante que deixou marca indelével por todos os lugares onde passou - mais do que um grande jogador é um grande Homem.
Não tendo os títulos de outros nomes da geração de Ouro do futebol português como Figo, Vítor Baía ou Paulo Sousa, o verdadeiro valor de Rui Costa tem de ser enquadrado a partir das reacções de quem o via: o seu talento, aura e mistério eram de tal maneira tocantes que contagiavam até o mais empedernido dos cínicos.
Rui Costa é isso: a poesia do jogo.

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